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Postado por JOSÉ quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Revista da Associação Médica Brasileira

versão impressa ISSN 0104-4230

Rev. Assoc. Med. Bras. v.49 n.2 São Paulo abr./jun. 2003

doi: 10.1590/S0104-42302003000200038

Avaliações dietética e antropométrica em pacientes com artrite reumatóide juvenil

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a ingestão dietética e a antropometria em crianças e adolescentes com artrite reumatóide juvenil (ARJ), considerando os tipos pauci e poliarticular.
MÉTODOS: Avaliação da ingestão dietética de calorias e macronutrientes pelo método do Registro Alimentar comparada com a Recommended Dietary Allowances – RDA e avaliação antropométrica pelo score Z da relação estatura para idade e pelo índice de massa corporal.
RESULTADOS: O tipo pauci ou poliarticular não determinou diferença na ingestão de calorias, carboidratos, proteínas e de lipídios, estando o valor calórico total, em ambos os grupos, abaixo das recomendações. A baixa estatura foi observada em pacientes dos dois grupos, enquanto os estados de magreza e de obesidade foram verificados em pacientes do grupo poliarticular.
CONCLUSÕES: Pacientes com ARJ, especialmente do grupo poliarticular, podem apresentar comprometimento do estado nutricional e do crescimento, provavelmente em função da ingestão dietética inadequada e do aumento da necessidade calórica e de nutrientes específicos que ocorre nos períodos de atividade da doença.

Unitermos: Estado nutricional. Artrite reumatóide juvenil.

INTRODUÇÃO

Doenças inflamatórias, tais como a artrite reumatóide juvenil (ARJ), apresentam envolvimento multiorgânico e freqüentemente são acompanhadas por implicações nutricionais, que podem causar comprometimento do estado nutricional1.

A importância do estado nutricional de pacientes com artrite reumatóide foi relatada por Alarcon et al.2 e o seu comprometimento parece estar associado a maior atividade da doença, tanto na artrite reumatóide3 quanto na ARJ4; tendo sido observada a recuperação do peso corporal nos períodos de remissão da doença.

O retardo do crescimento, conseqüência comum da ARJ, foi primeiramente observado por Still5, em 1887, e posteriormente por diversos autores6,7, sendo possível a sua prevenção por meio de suplementação dietética8.

Além de serem poucos os trabalhos que avaliam a ingestão dietética por pacientes com ARJ, os seus resultados são divergentes quanto à associação negativa entre atividade da doença e ingestão de nutrientes4,9,10.

Considerando que, principalmente na vigência de doença inflamatória, é de grande importância um estado nutricional que propicie crescimento adequado, objetivou-se avaliar a ingestão dietética e a antropometria em crianças e adolescentes com ARJ.

MÉTODOS

Foi realizado estudo transversal com 41 pacientes com ARJ, 21 do sexo feminino, com média de idade de 11 anos (variação de 3,3 a 17,8 anos) do Ambulatório de Reumatologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo. O diagnóstico de ARJ foi baseado nos critérios do American College of Rheumatology11. A doença foi considerada em atividade sempre que houvesse pelo menos uma articulação inflamada e alteração na velocidade de hemossedimentação. A duração da doença foi calculada em meses. A terapia com corticoesteróide consistiu na administração de prednisona, em doses que variaram de 4-12,5 mg/dia, tendo sido considerados os pacientes com e sem o uso presente desse tratamento.

Os pacientes foram divididos, de acordo com o número de articulações acometidas, em dois grupos: pauciarticular (< 4 articulações) e poliarticular (> 5 articulações). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo, tendo sido necessário o prévio consentimento por escrito dos pais ou responsáveis.

Avaliação dietética

Foi utilizado o método de Registro Alimentar12 por quatro dias consecutivos, sendo um de final de semana. A ingestão calórica e de macronutrientes foi calculada utilizando o software Virtual Nutri13, validado e padronizado. A ingestão calórica calculada foi comparada com a Recommended Dietary Allowances -RDA14, sendo expressa em percentual do recomendado para a idade, de tal forma que indivíduos de idades diferentes puderam ser comparados. Considerou-se adequado para as calorias provenientes de carboidratos o valor de 50% a 60%, entre 10% e 15% para os de proteínas e de 25% a 30% para as de lipídios15.

Avaliação antropométrica

O peso foi aferido em balança Filizola com graduação de 10 gramas, com os pacientes descalços e usando somente roupas íntimas. A estatura foi mensurada com estadiômetro de madeira.

Utilizou-se a relação estatura para a idade (E/I) que é o critério padronizado para os casos em que crianças e adolescentes apresentam algum fator condicionante à falência ou retardo no crescimento (WHO, 1995)16 e o escore Z, que considera como padrão de referência o do National Center of Health Statistics17.

Os resultados do Índice de Massa Corporal (IMC) foram comparados com os valores de referência de Hammer et al.18, os quais são apresentados por percentis de acordo com a idade e o sexo e a classificação do estado nutricional, de acordo com a WHO16, que considera magreza os valores abaixo do percentil 5; eutrofia entre os percentis 5 e 90 e obesidade os acima do percentil 90.

Análise estatística

Utilizou-se o teste t de student para amostras independentes19 para a comparação dos valores médios da ingestão dietética entre os grupos pauci e poliarticular, adotando-se a < 0,05.

RESULTADOS

As características clínicas dos 41 indivíduos estão na Tabela 1. Apresentaram a doença em atividade 8/19 pacientes do tipo pauciarticular e 13/22 do tipo poliarticular. Deste último grupo, oito pacientes faziam uso de corticoterapia.

A comparação da ingestão dietética entre os pacientes dos grupos pauci e poliarticular (Tabela 2) não mostrou diferença significante para os valores médios de calorias (p=0,501), carboidratos (p=0,072), proteínas (p=0,278) e de lipídios (p=0,072). Entretanto, notou-se tendência de valores menores de carboidratos e de valores maiores de lipídios no grupo pauci em relação ao poliarticular, e em ambos os grupos grande variação dos valores encontrados. Apesar do percentual protéico estar, em média, dentro dos valores normais (10% a 15% da dieta), observou-se baixa ingestão em dois pacientes do grupo pauci (7,11% e 9,70%) e em quatro pacientes do grupo poliarticular (de 4,74% a 9,33%). A alta ingestão de proteínas foi observada em oito pacientes de cada grupo, sendo a variação de 20,99% a 36,52% no grupo pauci e de 17,75% a 27,85% no poliarticular.

A maioria dos pacientes de cada grupo apresentou estatura considerada normal para a idade. Entretanto, cabe destacar que seis dos 22 pacientes do grupo poliarticular apresentaram baixa estatura, já no grupo pauciarticular esta condição foi menos presente, em dois dos 19 pacientes estudados. A maioria dos pacientes também apresentou IMC considerado normal. Contudo, o estado de magreza foi verificado em sete pacientes e o estado de obesidade em dois pacientes do grupo poliarticular (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Não houve diferença entre os pacientes dos grupos pauci e poliarticular quanto à média de ingestão diária de calorias, em concordância com resultados anteriores4,9, e quanto ao percentual de carboidratos, proteínas e lipídios da dieta. Embora a composição da dieta tenha se apresentado dentro dos limites preconizados, o valor calórico total se mostrou abaixo do recomendado, sendo 79,26% para o grupo pauciarticular e 83,33% para o poliarticular. Como os pacientes pertenciam a famílias de baixa renda, visto as peculiaridades do local onde foi desenvolvido este estudo, esse resultado, por um lado, pode ser consequência do padrão dietético de crianças e adolescentes de baixo nível econômico do nosso meio20,21. Por outro lado, esta menor ingestão pode ter sido agravada por diversos fatores peculiares da ARJ22, como a anorexia persistente (14 pacientes com o tipo poliarticular e dois pacientes com o tipo pauciarticular), a utilização de medicamentos, especialmente os antiinflamatórios não hormonais (13 pacientes com o tipo poli e oito com o pauciarticular), as dificuldades mecânicas relacionadas principalmente com o comprometimento da articulação têmporo-mandibular (12 pacientes com o tipo poliarticular).

Sabe-se que em doenças inflamatórias crônicas, em função da atividade da doença, podem ocorrer, além da diminuição na absorção de nutrientes e/ou utilização alterada destes nutrientes pelo organismo9, aumento das necessidades calóricas ou de nutrientes específicos2,8, cuja magnitude ainda não foi determinada, mas que deve suprir os efeitos do hipercatabolismo e o custo nutricional do crescimento. Em conseqüência, trabalhos anteriores, assim como este, tiveram que comparar a ingestão dietética por pacientes com ARJ às recomendações nutricionais para indivíduos saudáveis. Assim sendo, pode-se deduzir que o déficit calórico observado, na realidade, pode ser maior em função do aumento da sua necessidade nesses pacientes.

Um dos nutrientes cuja necessidade pode estar aumentada na fase de atividade da doença é a proteína, devido ao aumento da proteólise muscular e da excreção urinária de nitrogênio23,24. Sabe-se que qualquer condição clínica que possa repercutir em depleção protéica requer intervenção dietética8, prioritariamente nos períodos de rápido crescimento. Porém, em função da baixa ingestão calórica, o excesso de proteínas observado em 16 dos 41 pacientes estudados pode ter sido desviado para função energética, uma vez que o nitrogênio para ser incorporado aos tecidos e desempenhar função plástica requer quantidade adequada de calorias14.

A baixa estatura e a obesidade observadas em alguns pacientes, especialmente do grupo poliarticular, confirmam o padrão de crescimento de indivíduos com ARJ. Nos períodos de atividade da doença, eles apresentam estatura cerca de 10% abaixo do normal, a qual poderá retomar a normalidade no período de remissão, dentro de 2 a 3 anos, caso a fusão epifisária não tenha ocorrido25. Confirmam também resultados de comprometimento da estatura e aumento de peso corporal com o uso de corticosteróides25,26. Em contrapartida, houve pacientes com IMC abaixo do normal. Sabe-se que o processo inflamatório crônico associado à desnutrição altera a composição corporal durante a perda de peso27, sendo 50% correspondente à massa magra, tanto a muscular esquelética quanto a visceral28.

O comprometimento nutricional de pacientes com ARJ que foi observado há mais de 100 anos5 continua ocorrendo, em que pese os avanços terapêuticos. É um problema que pode afetar o crescimento assim como a maturação física, o desenvolvimento mental e emocional e o nível funcional; devendo, pois, ser monitorado precoce e regularmente ao longo do curso da doença.

CONCLUSÕES

Pacientes com ARJ, especialmente do grupo poliarticular, podem apresentar comprometimento do estado nutricional e do crescimento. Embora a influência da inflamação nesses achados ainda não esteja completamente entendida, os autores acreditam que a ingestão dietética inadequada e o aumento da necessidade calórica e de nutrientes específicos possam contribuir para os resultados encontrados. Mais pesquisas nas áreas de nutrição e crescimento em pacientes com ARJ são necessárias para melhor entender esses problemas possibilitando abordagens adequadas para corrigilos.

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