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Postado por JOSÉ quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Revista Brasileira de Reumatologia

versão impressa ISSN 0482-5004

Rev. Bras. Reumatol. v.48 n.2 São Paulo mar./abr. 2008

doi: 10.1590/S0482-50042008000200012

RELATO DE CASO CASE REPORT

Erupção liquenóide: secundária ao uso de adalimumabe?

RESUMO

O adalimumabe é um anticorpo recombinante monoclonal IgG1, completamente humano, que se liga especificamente ao fator de necrose tumoral alfa (TNF-a) e neutraliza sua atividade. Relatamos aqui um caso de erupção liquenóide secundária ao uso de adalimuma-be em uma paciente com artrite reumatóide. O quadro melhorou após a suspensão do adalimumabe, com recidiva à reintrodução do medicamento e nova melhora após a suspensão definitiva deste. Embora a paciente estivesse recebendo, concomitantemente ao adalimumabe, metotrexate, corticosteróides e outras drogas, não houve suspensão ou modificação das medicações, exceto o adalimumabe durante todo o período. A ocorrência de erupção liquenóide com o uso do adalimumabe é um evento não esperado, uma vez que, na imunopatologia do líquen plano, o papel do TNF-a parece ser o de propagador da doença. Desse modo, esperaria-se que drogas anti-TNF-a pudessem ser usadas no tratamento do líquen plano e não que atuassem como indutoras desta condição.

Palavras-chave: líquen plano, fator de necrose tumoral alfa, anticorpos monoclonais, erupção por droga, artrite reumatóide.


ABSTRACT

Adalimumab is a recombinant, fully human IgG1 monoclonal antibody that binds specifically to human TNF-a and neutralizes the activity of this cytokine. We report herein the case of a lichenoid eruption with the use of adalimumab in a patient with rheumatoid arthritis. The eruption improved after interruption of adalimumab, with recurrence at the reintroduction and improvement again with definitive suspension. Although this patient was receiving concomitant adalimumab with methotrexate, corticosteroids and other drugs, these medications except the adalimumab were not discontinued or modified at any moment during the period. The occurrence of lichenoid eruption with adalimumab is a not expected event since the function of the TNF-a in the immunopathology of lichen planus seems to be as a propagator of disease. This way, we would expect that drugs with anti-TNF-aeffect would not act as inductors of lichen planus but could be used in its treatment.

Keywords: lichenoid eruptions, antibodies, monoclonal, tumor necrosis factor-alpha, drug eruptions, arthritis, rheumatoid.


INTRODUÇÃO

O adalimumabe é um anticorpo monoclonal humano recombinante anti-fator de necrose tumoral alfa (TNF-a)(1).

É usado no tratamento de artrite reumatóide (AR), artrite psoriática, psoríase, espondilite anquilosante e doença de Crohn(2,3).

Efeitos colaterais cutâneos são menos observados com o uso do adalimumabe em relação às outras medicações com efeitos anti-TNF-a (etanercepte e infliximabe)(4).

Relatamos um caso de erupção liquenóide após o uso de adalimumabe, com coincidência temporal entre o uso da droga e o aparecimento das lesões e melhora com a sua suspensão.

RELATO DE CASO

Mulher de 68 anos, com AR há cinco anos, estava em uso de metotrexate (12,5 mg/semana), ácido fólico, prednisona (10 mg/dia), difosfato de cloroquina (250 mg/dia), diclofenaco (uso irregular), amitriptilina, captopril, hidroclorotiazida, raloxifeno, carbonato de cálcio e vitamina D há mais de dois anos.

Em virtude da manutenção do quadro inflamatório articular intenso, com limitações importantes das atividades diárias, em setembro de 2004, o adalimumabe foi associado às medicações anteriores, na dose de 40 mg subcutâneo, a cada 15 dias. Houve melhora do quadro articular, mas, após a quinta injeção, a paciente iniciou lesões cutâneas pruriginosas que consistiam de placas eritêmato-violáceas com halo eritematoso e estrias de Wickham, simétricas, nos membros inferiores (Figura 1).

O diagnóstico clínico e anatomopatológico foi de erupção liquenóide secundária ao adalimumabe, e a medicação foi suspensa com melhora significativa do quadro cutâneo (Figura 2).

O adalimumabe voltou a ser utilizado em abril de 2005, por causa da piora da AR; foram utilizadas três injeções e houve recidiva das lesões cutâneas. A medicação foi novamente suspensa e a paciente apresentou melhora das lesões, principalmente do quadro inflamatório cutâneo. Não houve modificação no uso das demais drogas, que foram mantidas com as mesmas dosagens.

Desde então a paciente não apresentou recidiva das lesões.

DISCUSSÃO

O adalimumabe é um anticorpo monoclonal humano recombinante IgG1 anti-fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), que se liga especificamente ao TNF-a solúvel e presente na membrana celular e inibe sua interação com os receptores p75 e p55. O adalimumabe também liga células que expressam TNF, in vitro, na presença de complemento(1,2). Foi aprovado para uso na AR refratária, na dose de 40 mg em injeção subcutânea a cada duas semanas, podendo ser usado isoladamente ou associado ao metotrexate ou outras drogas anti-reumáticas modificadoras de doença(5).

Os efeitos colaterais mais importantes associados às drogas inibidoras de TNF-a (adalimumabe, infliximabe e etanercepte) são infecção, linfoma, insuficiência cardíaca congestiva, síndrome lúpus-símile, exacerbação de alveolite fibrosante, indução de auto-anticorpos e reações no local da injeção(6-10). Em relação às reações adversas específicas do adalimumabe, além das anteriormente descritas, foram relatados síndrome nefrótica, indução de doença pulmonar intersticial, citopenias, elevação de transaminases e reações alérgicas; estas últimas são raras, fato esperado, uma vez que a estrutura e a função do adalimumabe são indistinguíveis das de uma IgG1 humana, mas pode ocorrer imunogenicidade à droga, com o desenvolvimento de anticorpos (acredita-se que os locais com potencial imunogênico se desenvolvam após a ligação do adalimumabe ao TNF-a)(4,11,12). Até o momento não existe evidência suficiente de que o adalimumabe aumente a ocorrência de tuberculose ou de infecções fúngicas(2). A associação entre o uso do adalimumabe e a ocorrência de doença desmielinizante ainda está sob investigação(13).

Reações cutâneas adversas parecem ser menos comuns com o adalimumabe em relação ao etanercepte e ao infliximabe, visto que reação no local da injeção ocorre em 1,5% a 11% e exantemas não-específicos em 4,5% a 10,1% dos pacientes(4). Outros efeitos colaterais cutâneos são celulite, erisipela, herpes-zóster(6), urticária e erupção fixa à droga, principalmente nos primeiros meses de tratamento(8).

Em pacientes portadores de AR que usam adalimumabe, já foram descritas as seguintes alterações cutâneas: celulite eosinofílica (síndrome de Wells), reação eritema multiforme-símile, vasculite leucocitoclástica, vasculite cutânea com granulomas eosinofílicos, psoríase e erupção psoriasiforme, erupção papulosa linfomatóide-símile, rosácea, eczema não-específico e lesões neoplásicas(8,11,14-16).

No caso descrito, o diagnóstico de líquen plano/erupção liquenóide foi confirmado por meio de exame histológico e a sua relação com o adalimumabe observada pela melhora clínica após suspensão da droga e recidiva à reintrodução.

Devemos ainda ressaltar que a paciente já utilizava previamente drogas sabidamente causadoras de erupção liquenóide(17) (captopril, difosfato de cloroquina, hidroclorotiazida), assim como prednisona, droga usada no tratamento de quadros graves de erupção liquenóide(17), porquanto todas as medicações foram mantidas com a mesma posologia, durante todo o período, não havendo, portanto, relação que justificasse o quadro clínico.

Encontramos na literatura o relato de um paciente de 71 anos, portador de AR, que apresentou erupção liquenóide sete meses após iniciar o uso de adalimumabe, com melhora do quadro após suspensão da medicação(15). Além do uso concomitante de naproxeno (droga que pode induzir erupção liquenóide)(17), não houve reintrodução do adalimumabe, não sendo possível, portanto, estabelecer ao certo uma relação entre o adalimumabe e o quadro cutâneo.

Apesar de não existir elucidação completa da imunopatologia do líquen plano, parece que o TNF-a possui papel importante na propagação da doença(18-20). Assim, esperar-se-ia que um inibidor do TNF-a não estivesse associado com a ocorrência de erupção liquenóide.

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