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Postado por JOSÉ quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Revista Brasileira de Reumatologia

versão impressa ISSN 0482-5004

Rev. Bras. Reumatol. vol.49 no.2 São Paulo mar./abr. 2009

doi: 10.1590/S0482-50042009000200004

ARTIGO ORIGINAL

Resposta atenuada ao PPD no diagnóstico de infecção tuberculosa latente em pacientes com artrite reumatoide

RESUMO

INTRODUÇÃO: A utilização dos anti-TNF's na prática reumatológica tornou obrigatória a identificação de casos de infecção tuberculosa latente (ITBL) antes do início do tratamento, utilizando o PPD, RX de tórax e história de contato com tuberculose. Os pacientes com artrite reumatoide (AR) apresentam uma anormalidade da função celular imune, caracterizada por diminuição da responsividade de células mononucleares periféricas (linfócitos T Reg), o que acarreta prejuízo para a hipersensibilidade cutânea tardia, o que é fundamental para o reconhecimento de antígenos, como é o caso do PPD.
OBJETIVOS:
Avaliar a resposta ao PPD em pacientes com AR, comparado com pessoas saudáveis em uma área endêmica de tuberculose, como é o estado de Pernambuco.
METODOLOGIA
: Foram estudados 96 pacientes, 48 com AR e 48 indivíduos saudáveis, sendo a maioria do sexo feminino; foi realizada a inoculação de 0,1 mL do PPD RT-23, por via intradérmica e leitura da induração 72 horas após.
RESULTADOS: No grupo AR o tempo médio de diagnóstico foi de 10,2 anos, a dose média de metotrexate foi de 15,5 mg/semana, dose média de prednisona foi de 12,7 mg/dia e a atividade média da doença medida pelo CDAI foi 30,4. Houve maior positividade do PPD no grupo de comparação (33,3%) quando comparado com o grupo AR (14,6%), com diferença estatisticamente significante (p = 0,034).
CONCLUSÕES: Os autores alertam para o fraco desempenho do PPD para diagnóstico de ITBL em pacientes com AR e da necessidade de se fazer uma triagem ainda mais cuidadosa antes do início do tratamento com anti-TNF.

Palavras-chave: artrite reumatoide, PPD, tuberculose latente.


INTRODUÇÃO

Devido ao aumento da incidência e gravidade das infecções tuberculosas após o início do uso dos anti-TNF's no tratamento da AR, a identificação de casos de infecção tuberculosa latente (ITBL) passou a ser obrigatória antes do início da terapêutica. As orientações brasileiras para diagnóstico da ITBL ou doença ativa sugerem que na avaliação antes do início do tratamento com anti-TNF deva ser incluída história clínica completa (tratamento ou quimioprofilaxia anteriores; contato intradomiciliar ou institucional com TB); radiografia de tórax e a realização do PPD.1-3 No entanto, a utilização do PPD em pacientes com AR apresenta um grande complicador: a anormalidade da função celular imune observada nesses pacientes.4 Existe uma diminuição da responsividade de células mononucleares periféricas, o que acarreta prejuízo para hipersensibilidade cutânea tardia para o reconhecimento de antígenos, como é o caso do PPD.4-6 Não se sabe exatamente o mecanismo para essa alteração, mas já foi demonstrado que pode ser ocasionada pela deficiência da produção de IL-27 ou exposição crônica ao TNF.6 As células T regulatórias (TReg) (CD4+CD25+), que têm papel fundamental na prevenção da autoimunidade, apresentam uma diminuição em número e função na AR8 e conforme foi demonstrado em trabalho brasileiro recente, o número de células T CD4+ (TReg) está diretamente relacionado à magnitude da resposta ao PPD.9

O objetivo do nosso estudo foi avaliar a resposta ao PPD em pacientes com AR, comparado com pessoas saudáveis em uma área endêmica de tuberculose, como é o estado de Pernambuco, Brasil.

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo transversal, em que foram incluídos 96 pacientes por amostragem não probabilística, do tipo por conveniência, divididos em dois grupos: 48 pacientes com diagnóstico de artrite reumatoide de acordo com os critérios do ACR10 (grupo AR) com indicação para o uso de infliximabe e 48 indivíduos saudáveis, compondo o grupo de comparação (grupo COMP), no período de maio a outubro de 2007, selecionados do ambulatório de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), provenientes do estado de Pernambuco.

Para entrada no estudo, os pacientes com AR deveriam ter pelo menos 18 anos, doença em atividade e indicação para o uso de infliximabe. Foram considerados como critérios de exclusão: infecção tuberculosa ativa; vacinação com BCG há menos de 15 anos; tratamento anterior com drogas biológicas (infliximabe, etanercepte ou adalimumabe); diagnóstico conhecido de outras doenças consideradas fatores de risco para TB: SIDA, desnutrição, diabetes, doença renal ou hepática e neoplasias; infecções agudas; pacientes hospitalizados e gestantes. Para compor o grupo de comparação foram selecionados pacientes do ambulatório de reumatologia que não apresentavam doença autoimune, obedecendo aos mesmos critérios de exclusão do grupo AR.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, e todos os pacientes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Em seguida, o paciente foi submetido a um questionário específico, criado com o objetivo de determinar a história epidemiológica para TB e atividade da AR, mensurada pelo CDAI (Clinical Disease Activity Index).11 O PPD foi realizado através da inoculação de 0,1 mL (2UT) do PPD RT-23, por via intradérmica, no terço médio do antebraço esquerdo (aproximadamente 8 cm abaixo da prega do cotovelo) (Figura 1).

A leitura do resultado do PPD foi realizada 72 horas após a aplicação, com o método de palpação do diâmetro transverso máximo da induração, com o resultado expresso em milímetros (Figura 2). A leitura foi feita por um único examinador em todos os pacientes. A resposta ao PPD foi analisada da seguinte forma:

Grupo AR: 0 a 4 mm, negativo; > 5, positivo

Grupo COMP: 0 a 4 mm, negativo; 5 a 10 mm, reator fraco; acima de 10 mm, reator forte.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 96 pacientes, sendo 48 do grupo AR e 48 do grupo COMP. A maioria era do sexo feminino nos dois grupos (89,6% no grupo AR e 72,9% no grupo COMP). No grupo AR a média de idade foi de 49,71 anos (±12,41; mínimo de 19 e máximo de 78 anos), enquanto no grupo COMP foi de 46,29 anos (±13,99; mínimo 21 e máximo de 75 anos).

O tempo médio de diagnóstico da AR foi de 10,2 anos (± 12,41). Todos os pacientes faziam uso de prednisona, com uma dose média de 12,7 mg/dia (± 6,7). Dos 48 pacientes, apenas 30 vinham fazendo uso do MTX, com uma dose média de -15,5 mg/semana (± 4,3). Na Tabela 1 estão resumidas as variáveis clínicas do grupo AR.

As frequências das outras variáveis, bem como a análise comparativa de equivalência nos dois grupos estão demonstradas na Tabela 2. Podemos observar que os dois grupos apresentavam características semelhantes, não havendo diferença estatisticamente significante nas variáveis idade, sexo, cor, nível de instrução, aglomeração, história de infecção tuberculosa ou contato intra-domiciliar com tuberculose. Apenas nas variáveis renda e procedência foi observada diferença estatística significante entre os dois grupos (p = 0,017 e p = 0,034, respectivamente). Vale salientar que no grupo de comparação foram incluídos profissionais de saúde que trabalhavam no ambulatório de reumatologia do HC, devido ao risco de infecção tuberculosa latente que esse grupo apresenta. Todos os pacientes, nos dois grupos, apresentavam história de vacinação com BCG na infância, confirmada pela presença da cicatriz no braço direito e nenhum deles apresentava história de alcoolismo. NaTabela 3 podemos observar a frequência de PPD positivo nos dois grupos.

Não foram encontradas associações entre as variáveis clínicas da AR, como tempo de uso ou dose de prednisona ou MTX, tempo de duração da doença ou atividade da AR medida pelo CDAI e os resultados do PPD.

DISCUSSÃO

O teste cutâneo da tuberculina, que utiliza a preparação padrão de Proteína Purificada Derivada (PPD) é utilizado desde 1931 para determinar quem está infectado pelo M. tuberculosis. Ele contém uma mistura de antígenos que induz a uma reação de hipersensibilidade tardia e reflete a imunidade celular dirigida contra o bacilo e, apesar de suas conhecidas limitações na sensibilidade e na especificidade, continua sendo utilizado como critério padrão para o diagnóstico de ITBL. Embora seja ocasionalmente utilizado no diagnóstico de infecção sintomática, seu uso primário é para a detecção de ITBL.12 No entanto, a prática da realização de uma triagem para TB utilizando o PPD é um tanto desanimadora, devido à baixa especificidade do teste, pois tanto a vacinação com BCG quanto a exposição às micobactérias não tuberculosas produzem uma resposta similar àquela induzida pela infecção pelo M. tuberculosis.13

O teste de Mantoux avalia in vivo a resposta celular imune contra a proteína purificada derivada do M. tuberculosis, resultando em uma reação clássica de hipersensibilidade cutânea tardia, dependente da migração de células T CD4+ produtoras de INFγ para o local da injeção do antígeno. Pacientes com AR apresentariam uma incapacidade de produção de resposta adequada ao PPD, mesmo em indivíduos infectados pelo M. tuberculosis,tornando o teste inapropriado para o reconhecimento das formas latentes nesses pacientes.7 Algumas autoridades recomendam, inclusive, que pacientes com AR e PPD negativo, mas que tenham grande risco clínico ou epidemiológico para infecção tuberculosa, sejam empiricamente tratados para ITBL antes do início da terapia com uma droga biológica.12

Nosso estudo demonstra que a frequência de diagnóstico de ITBL pelo PPD em pacientes com AR é menor que a encontrada em pessoas normais, com diferença estatisticamente significante (OR = 0,31; 0,11 - 0,84, p = 0,034), semelhante aos resultados já descritos na literatura, o que poderia dar a falsa impressão de ser a AR um fator protetor para ITBL. No entanto, esse fato ocorre provavelmente devido à pouca responsividade do PPD na AR ou pelo número de resultados falsos positivos do PPD em pessoas normais (reação cruzada com outras micobactérias ou com a vacina BCG). O fato de termos incluído indivíduos trabalhadores da área de saúde não influenciou no número de resultados positivos, uma vez que, do total de 13 pessoas dentro do grupo de 48, apenas 2 tiveram um resultado de PPD positivo, não influenciando a média final do total de positivos nesse grupo.

Em um estudo desenvolvido no Peru,14 onde a TB é endêmica, o PPD foi realizado em um grupo de pacientes com AR e em um outro de voluntários imunocompetentes, pareados por sexo e idade. Foi considerado positivo um resultado > 5 mm no grupo AR e > 10 mm no grupo imunocompetente. Um resultado <>15

Provenzano, Ferrante e Simon3 avaliaram 69 pacientes italianos portadores de doença inflamatória articular crônica, que iriam se submeter ao tratamento com anti-TNF. Durante a triagem para ITBL foram encontrados 2,9% de pacientes com história prévia de TB tratada, 8,7% de PPD positivo e alterações radiográficas compatíveis com sequela de TB em 20,3%, demonstrando a falha do PPD em identificar todos os pacientes portadores de ITBL, tornando a prática da realização da radiografia de tórax obrigatória.

Bahr et al.16 investigaram o tipo de HLA na AR estabelecida e sua relação com quatro tipos de testes cutâneos para micobactérias (tuberculina, leprosina A, escrofulina e vaccina), injetados no antebraço, em uma população árabe. Para isso, foram analisados três grupos de pacientes: AR estabelecida (46), infecção tuberculosa ativa (111) e pessoas saudáveis (79). A responsividade aos testes cutâneos para micobactérias foi significativamente menor no grupo de pacientes com AR e está associada ao haplótipo DR7, o que não ocorreu nos outros dois grupos.

Apesar de amplamente aceito, o procedimento para triagem antes do uso do anti-TNF tem sido criticado, pois em várias situações não é capaz de identificar a ITBL. Dentre os problemas descritos temos a possível incerteza do paciente sobre a história médica de contato com TB, a falta de sinais radiográficos específicos de ITBL, além das dificuldades já descritas na utilização do PPD. Desse modo, o uso desses testes pode levar tanto à falta da quimioprofilaxia com INH, devido à baixa sensibilidade do teste cutâneo na AR, quanto ao tratamento desnecessário (no caso de PPD falsamente positivo).17

A utilização de testes antígeno-específicos para detecção de INFγ tem revolucionado o diagnóstico de ITBL em países de baixa prevalência de TB, já tendo demonstrado uma melhor especificidade do que a do PPD em pessoas imunocompetentes. Em países de alta prevalência ainda existe a dúvida se poderiam auxiliar no diagnóstico de infecção latente. A avaliação do desempenho desses novos testes fica prejudicada pela falta de um padrão-ouro que possa diferenciar infecção latente verdadeira de reação cruzada com a vacina BCG ou com infecção por outras micobactérias que não o M. tuberculosis.18

Enquanto diagnosticar e tratar ITBL em países desenvolvidos é um componente essencial do controle da TB, essa é uma estratégia de menor importância em países em desenvolvimento. Nesses países, devido ao elevado risco de infecção pela alta incidência e acometimento da população pediátrica, a prioridade do sistema de saúde deve ser o tratamento dos casos ativos, o que promove uma diminuição do risco de transmissão. Além disso, uma proporção substancial da população nesses países tem ITBL e, uma vez que o risco desses indivíduos virem a desenvolver infecção ativa é de 5% e cerca de 90% das quimioprofilaxias são realizadas completamente, se torna desnecessário adicionar mais este custo (diagnóstico de ITBL) ao programa de controle de TB em países em desenvolvimento. Desse modo, a utilização desses testes nesses locais ficaria restrita a situações que incluem: vigilância epidemiológica, crianças e pacientes desnutridos com tuberculose, infecção tuberculosa em pacientes com SIDA e com AR.18 Na prática, devemos ter conhecimento do fraco desempenho do PPD para diagnóstico de ITBL em pacientes com AR e fazer uma triagem ainda mais cuidadosa antes do início do anti-TNF, somando ao resultado do PPD, uma boa história clínica e alterações radiológicas, até que tenhamos disponíveis para utilização testes mais específicos, como os fundamentados na produção de INFγ.

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