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Postado por JOSÉ quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Revista Brasileira de Reumatologia
versão impressa ISSN 0482-5004
Rev. Bras. Reumatol. v.47 n.4 São Paulo jul./ago. 2007

doi: 10.1590/S0482-50042007000400006
ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE



Artrite crônica e periodontite
RESUMO

Como parecem existir similaridades entre os mecanismos patogenéticos de doenças reumatológicas, como a artrite reumatóide e a artrite idiopática juvenil com a periodontite, alguns estudos têm sido publicados com o objetivo de levantar evidências de uma possível inter-relação entre essas condições. A artrite reumatóide parece modular a resposta imune do hospedeiro, podendo aumentar a suscetibilidade à doença periodontal destrutiva em adultos. Recentemente, evidenciou-se que também pacientes com artrite idiopática juvenil possuíam maior suscetibilidade à doença periodontal destrutiva comparados a indivíduos saudáveis da mesma idade. No entanto, ainda se desconhecem os mecanismos que justificariam uma hipótese de associação entre essas condições crônicas inflamatórias. Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi promover uma revisão da literatura sobre uma possível relação entre artrite crônica e periodontiteINTRODUÇÃO

A artrite crônica e a periodontite apresentam similaridades em seus mecanismos patogênicos, o que tem despertado interesse na pesquisa sobre a associação entre essas condições(1). A artrite reumatóide (AR) pode funcionar como um modulador para a resposta imune no periodonto do hospedeiro, aumentando a suscetibilidade à doença periodontal destrutiva em adultos(2). Recentemente, nosso grupo de pesquisa observou que pacientes com artrite idiopática juvenil (AIJ) possuíam maior freqüência de perda de inserção clínica periodontal na região interproximal, comparados a indivíduos saudáveis da mesma idade(3). Sendo assim, este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão da literatura em relação a evidências sobre uma possível associação entre a AR, AIJ e a periodontite.



PERIODONTITE

O periodonto é definido como o conjunto de tecidos que circundam os dentes. Subdivide-se em periodonto de inserção (ligamento periodontal, cemento radicular e osso alveolar) e periodonto de proteção (gengiva) (Figura 1). A principal função do periodonto é inserir o dente no tecido ósseo dos maxilares e manter a integridade da superfície da mucosa mastigatória da cavidade oral. O grau de destruição que o periodonto apresenta num dado momento é medido por meio de uma sonda graduada em milímetros (sonda periodontal) (Figura 2). Com esse instrumento, podemos medir a profundidade do sulco gengival em seis faces por dente, bem como o nível de inserção. Além disso, sítios que apresentam inflamação no momento da sondagem sangram com o toque do instrumento, gerando um indicador de inflamação periodontal denominado sangramento à sondagem.















O sulco gengival é o espaço entre a gengiva e o dente que se estende da margem gengival até o fundo do sulco sondável. Em condições normais, o sulco apresenta uma profundidade à sondagem inferior ou igual a 3 milímetros (mm). Quando ocorre o aprofundamento do sulco gengival, isto é, quando a distância entre a margem gengival e o fundo da bolsa ultrapassa 3 mm, diz-se que houve formação da bolsa periodontal. A bolsa periodontal verdadeira acompanha-se da perda dos tecidos de inserção periodontal. O nível de inserção periodontal é definido clinicamente como a distância entre a junção cemento-esmalte (JCE) e o fundo da bolsa ou sulco. Uma vez que a gengiva está inserida no dente na altura da JCE, o nível de inserção clínica onde não ocorreu perda tecidual é zero. O sangramento à sondagem, o nível de placa bacteriana na superfície dental, a profundidade de bolsa à sondagem e as medidas do nível de inserção periodontal compõem os indicadores clínicos periodontais.

As principais condições inflamatórias que acometem o periodonto são gengivite e periodontite. A gengivite é uma inflamação apenas do periodonto de proteção e é clinicamente caracterizada por mudanças na coloração do tecido gengival (hiperemia) e presença de sangramento à sondagem e, normalmente, associa-se à presença de placa bacteriana no sulco gengival. Uma vez estabelecida a gengivite, se não houver interferência na formação continuada da placa bacteriana, pode desenvolver-se, em indivíduos suscetíveis, um quadro de periodontite.

A periodontite é uma inflamação crônica e destrutiva que leva à perda do tecido de suporte dos dentes e, eventualmente, àperda dentária e ao edentulismo. O ligamento periodontal e o tecido ósseo são destruídos por uma resposta imunológica à presença de bactérias no sulco gengival, especialmente as Gram-negativas, gerando inflamação. Essa destruição é, provavelmente, mediada por uma resposta alterada do hospedeiro, tornando-o suscetível ao desafio bacteriano. Ainda não está completamente esclarecido por que em alguns indivíduos a inflamação periodontal progride para periodontite e, em outros, restringe-se apenas à gengivite. No entanto, acredita-se que a progressão para periodontite possivelmente ocorra em virtude de uma combinação de eventos, incluindo o acúmulo de bactérias periodontopáticas, o aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias, de enzimas proteolíticas e de prostaglandina E2(PGE2), somados a uma redução dos níveis de antagonistas de citocinas e inibidores de proteases(4). Na literatura, alguns fatores, como o fumo, têm sido considerados modificadores da resposta imunológica do hospedeiro e podem ser determinantes na variação à suscetibilidade à periodontite(5).

Assim, a periodontite pode ser considerada uma inflamação que vai além da gengiva, alcançando o tecido ósseo subjacente, o ligamento periodontal e o cemento radicular, levando à formação da bolsa periodontal. Clinicamente, além da presença da bolsa periodontal, podemos observar a perda da inserção periodontal e, radiologicamente, a de tecido ósseo.

Estudos têm evidenciado uma possível associação entre a periodontite e algumas condições reumatológicas, onde está presente a artrite crônica(2,3, 6,7).



HIPÓTESES DE ASSOCIAÇÃO ENTRE A ARTRITE CRÔNICA E A PERIODONTITE

Há estudos sugerindo que condições reumatológicas, como a AR e a AIJ, também possam ser modificadoras do processo saúde-doença periodontal, aumentando a suscetibilidade à doença periodontal destrutiva, tanto em adultos(2,6) como em crianças e adolescentes(3,7). No entanto, esses resultados não são corroborados por outros estudos(8). A Tabela 1 descreve os principais trabalhos inter-relacionando a AR e a AIJ com condições orais.








Algumas hipóteses têm sido sugeridas para justificar uma possível associação entre a AR e a periodontite. Tais hipóteses serviriam também, com plausibilidade biológica, para uma inter-relação entre a AIJ e a periodontite, uma vez que, em todas essas condições, evidencia-se uma importante desregulação do sistema imune, possivelmente associada a ou influenciada por fatores genéticos e ambientais. A inter-relação entre a artrite crônica e a periodontite parece ter um caráter bidirecional.

Uma das teorias que tenta explicar como a periodontite seria uma condição de risco à AR baseia-se na exposição crônica ao lipopolissacarídeo que ocorre nas doenças periodontais. Segundo esse conceito, o lipopolissacarídeo de bactérias periodontopáticas serviria como uma fonte de superantígenos ao hospedeiro, podendo iniciar a cascata imunológica observada na AR(9). Por outro lado, a desregulação imunológica observada na AR, gerando o aumento de citocinas como a interleucina 1 (IL-1), o fator de necrose tumoral (TNF-a) e a IL-6, local e sistemicamente, faria com que pacientes com artrite reumatóide, na presença de patógenos periodontais e um meio ambiente propício, desenvolvessem maior suscetibilidade à periodontite(6). Além disso, a hiperatividade neutrofílica tem sido evidenciada em certas doenças crônicas e parece justificar possíveis inter-relações entre algumas condições inflamatórias. Os neutrófilos são as células mais importantes nas articulações de pacientes com AR ativa e parecem desempenhar uma importante função na periodontite. Evidenciou-se hiperatividade de neutrófilos tanto na periodontite quanto na artrite. Desta forma, talvez uma doença possa funcionar como estímulo pré-ativador para neutrófilos periféricos, fazendo que essas células ajam de forma mais agressiva, quando recrutadas para atuar em outra doença(10-12).

O tratamento inicial clássico para pacientes com artrite crônica inclui a utilização de antiinflamatórios não esteróides (AINEs), que têm sido estudados como adjuntos no tratamento periodontal. Um estudo retrospectivo mostrou menor perda óssea alveolar em pacientes portadores de AR que faziam uso de AINEs, comparados a um grupo de indivíduos saudáveis que não usava medicação(13). Por outro lado, outros autores(14) observaram que pacientes que faziam uso crônico desse tipo de medicamento não apresentavam diferenças no índice de placa, índice gengival, profundidade de bolsa, perda de inserção periodontal e perda óssea comparados a indivíduos não medicados.



DISCUSSÃO

O conhecimento de que o sistema imune participa ativamente da patogênese da AR, AIJ e periodontite tem estimulado a realização de vários estudos para avaliar o status periodontal em pacientes com AR e AIJ. Na AR, AIJ e periodontite, a presença de atividade clínica mostra, em nível sistêmico e local, um nível aumentado de citocinas pró-inflamatórias, além de baixos níveis de inibidores de metaloproteinases, altos níveis de metaloproteinases de matriz e prostaglandina E2 secretados por macrófagos, fibroblastos e outras células inflamatórias(4'10-12,15). Alguns estudos demonstram piores condições periodontais em adultos e jovens, além de maior freqüência de perda dentária em pacientes com AR e AIJ, comparados a controles saudáveis(2,3,6,9,15,16). Entretanto, outros estudos apontam uma evidência de condições similares ou até mesmo tendência para melhores indicadores periodontais em pacientes com AR(8). Diferenças nos critérios de doença e nos métodos para avaliar o status da doença periodontal formam o principal problema na interpretação desta literatura. Além disso, muito embora o uso prolongado de AINEs possa não alterar os índices clínicos periodontais(14), há evidência de que essas drogas, utilizadas durante um longo período de tempo, afetam a progressão da perda óssea periodontal(13). Desta forma, a falha em demonstrar uma inter-relação entre a artrite crônica e a periodontite talvez possa ser atribuída ao uso crônico de AINEs pelos pacientes com AR e AIJ. Além disso, os estudos disponíveis sobre o status periodontal em portadores de alterações reumatológicas são transversais, tornando difícil avaliar pontos importantes como as causas de perda dentária. Recentemente, um estudo longitudinal que acompanhou pacientes com AIJ por 2 anos mostrou que, após controle clínico e laboratorial com tratamento adequado (que incluiu corticosteróide, metotrexato e AINEs), houve significativa diminuição nos níveis de IL-1b no fluido crevicular cervical, mas não houve diferença estatisticamente significativa, quando comparados ao grupo controle, em relação à inflamação periodontal clínica e laboratorial. Isto poderia indicar que, em relação ao binômio AIJ-periodontite, a doença controlada e inativa não mais influenciaria o status periodontal, ratificando a existência de uma inter-relação entre ambas as condições(7).

Assim, se a AIJ se associa ou não à progressão de outras condições inflamatórias como a periodontite, ainda não está completamente esclarecido. Entretanto, a artrite e a periodontite parecem apresentar semelhanças em seus mecanismos patogenéticos. Novos trabalhos prospectivos são necessários para avaliar a associação entre essas inflamações.

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