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Postado por JOSÉ quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Revista Brasileira de Reumatologia

versão impressa ISSN 0482-5004

Rev. Bras. Reumatol. vol.49 no.2 São Paulo mar./abr. 2009

doi: 10.1590/S0482-50042009000200010

RELATO DE CASO

Rituximabe na síndrome de Felty refratária

RESUMO

Os autores relatam o caso de uma paciente de 29 anos com diagnóstico de artrite reumatoide soropositiva que com seis meses de evolução desenvolveu granulocitopenia severa e esplenomegalia, embora mantivesse em remissão o quadro articular. Não apresentou resposta à corticoterapia oral e em forma de pulsos, além do metotrexato e leflunomida, tendo apresentado reação adversa ao uso do infliximabe e falta de resposta ao adalimumabe. Diante das infecções de repetição, apesar dos vários esquemas de antibióticos e uso crônico do G-CSF, dos altos títulos de fator reumatoide, dos níveis elevados da VHS e da PCR, utilizou-se o rituximabe no esquema clássico de tratamento da artrite reumatoide. Houve resposta clínica completa com aumento crescente do número de neutrófilos e normalização dos mesmos além da queda dos títulos de fator reumatoide, da VHS e da PCR. Atualmente, a paciente encontra-se em remissão clínica e laboratorial, em uso de prednisona 5 mg/dia e metotrexato 10 mg/semana.

Palavras-chave: artrite reumatoide, síndrome de Felty, tratamento, rituximabe.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Felty (SF) é uma forma rara e severa de artrite reumatoide soropositiva, geralmente associada à neutropenia e, em alguns casos, esplenomegalia.1 Por muitos anos, a esplenectomia foi a principal terapia, entretanto essa modalidade tem sido substituída por agentes imunossupressores e biológicos e sua indicação atual tem sido restrita para os casos refratários ao tratamento clínico.2 A utilização do rituximabe, um anticorpo monoclonal anti-CD20, para o tratamento da síndrome de Felty foi descrita na literatura, até o momento, em seis casos; em dois deles não houve resposta.3-7 Os autores relatam o caso de uma paciente com SF refratária caracterizada por neutropenia importante e infecções de repetição, na qual foi utilizado o rituximabe para tratamento, com sucesso.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 29 anos, portadora de artrite reumatoide (AR) pelos critérios do American College of Rheumatology (ACR)8 com dois anos de evolução. Iniciou o quadro com artrite simétrica de punhos, metacarpofalangeanas, interfalangeanas proximais das mãos, ombros e dor nas articulações têmporo-mandibulares, acompanhada de rigidez matinal maior que uma hora e fator reumatoide de 791U (normal <>

Após seis meses de tratamento com corticosteroides (10 mg/dia) e metotrexato (20 mg/semana), apresentava resposta clínica satisfatória (DAS28 <>

Nessa ocasião, apresentou agranulocitose de evolução rápida e grave, com níveis de neutrófilos chegando a 96/mm3, esplenomegalia (14 cm abaixo do rebordo costal) e sem recidiva do quadro articular. Naquele momento, o título de fator reumatoide era de 3.590U, VHS de 98 mm/1ªh e PCR de 135 mg/dl. Mantinha negativas as sorologias para HCV, HIV, HBV, dengue, toxoplasmose, CMV, parvovírus B19, além do teste de Mantoux.

O mielograma demonstrou hipercelularidade de todas as linhagens e a biópsia de medula óssea não revelou qualquer padrão de mielodisplasia, linfoproliferação ou síndrome do linfócito grande granular. Foi então definido o diagnóstico de Síndrome de Felty. Iniciou-se tratamento com fator estimulador de colônia de granulócitos (G-CSF), mantido metotrexato e elevada a dose de prednisona oral para 40 mg/dia, utilizados por três meses, sem resposta clínica. Optou-se pela leflunomida, em substituição ao metotrexato, na dose de 20 mg/dia e pulsoterapia com metilprednisolona, também sem resposta clínica após três meses. Devido à persistência da neutropenia, foi utilizado infliximabe, no esquema clássico para artrite reumatoide, tendo sido suspenso na segunda infusão devido à reação alérgica cutânea grave. Em seguida, foi prescrito adalimumabe por três meses, também sem resposta clínica.

Desde o início da neutropenia, apresentou episódios de infecções recorrentes, em especial de vias aéreas superiores, sempre acompanhadas de febre e intenso comprometimento do estado geral, necessitando de internações hospitalares. Com o insucesso do tratamento instituído e a persistência das recidivas infecciosas, apesar dos vários esquemas antibióticos, do uso persistente do G-CSF (filgrastina) e profilaxia com azitromicina, optou-se pela utilização do rituximabe no esquema padronizado para AR. Não foram observados eventos adversos pré ou pós-infusionais.

Três meses após o uso do rituximabe, a paciente apresentou resposta clínica completa, com diminuição dos eventos febris em mais de 75% e da taxa de infecção em mais de 50% (Tabela 1), além do crescente aumento do número de neutrófilos com posterior normalização (Figura 1) e queda do título de fator reumatoide, da VHS e da PCR (Tabela 2).

Atualmente, nove meses após as infusões, mantém resposta clínica e laboratorial sustentada, em uso de prednisona 5 mg/dia e metotrexato 10 mg/semana.

DISCUSSÃO

A SF é caracterizada por artrite crônica, esplenomegalia e leucopenia, acometendo menos de 1% dos pacientes com AR. A faixa etária predominante é da quinta a sétima décadas, em geral com mais de 10 anos de evolução da doença, sendo dois terços do sexo feminino e 95% HLA-DR4 e rara em negros. Associada, em geral, à doença grave, fator reumatoide positivo em altos títulos, além de manifestações extra-articulares exuberantes como nódulos subcutâneos, úlceras de membros inferiores, vasculites, hepatomegalia, pleuro-pericardite, mononeurite múltipla, episclerite, trombocitopenia, linfadenopatia e febre.10-14

A doença articular é usualmente grave no que se refere às erosões e deformidades. Aproximadamente um terço dos pacientes tem sinovite inativa, embora quase sempre apresentem níveis elevados da VHS. Raramente a granulocitopenia e a esplenomegalia aparecem antes ou simultaneamente à artrite.10,13,14

A causa da granulocitopenia na SF é multifatorial, sendo decorrente do desequilíbrio entre a produção de granulócitos e a remoção dos mesmos no pool circulatório, além do sequestro esplênico, geralmente não causando sintomas a menos que infecções bacterianas ocorram. Tais infecções usualmente são recorrentes e acometem o trato respiratório e a pele, sendo mais comuns quando o número de granulócitos está abaixo de 1.000/mm3, fator determinante do prognóstico.14,15

O metotrexato é uma droga efetiva na maioria dos pacientes com SF, com melhora geralmente nos primeiros dois meses de tratamento. No entanto, não existem estudos clínicos randomizados controlados, sendo esses resultados baseados em relatos com pequenos números de casos. A dose média utilizada nesses relatos foi de 13 mg/semana, via oral.16,17

Existem relatos com experiência limitada da utilização de outras drogas, tais como sulfassalazina, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida e leflunomida.18-21

Os corticosteroides podem elevar o número de granulócitos na SF por dois mecanismos: ação imunossupressora e alteração da cinética granulocítica.22-24 A prednisona, na dose de pelo menos 30 mg/dia, geralmente normaliza o número de granulócitos, embora seu efeito não seja sustentado quando a dose é reduzida para menos que 10 mg/dia, a menos que outras drogas sejam adicionadas.25 Pulsoterapia com metilprednisolona tem sido utilizada para agranulocitose, sendo as infecções o principal obstáculo para sua utilização.26

O uso do etanercepte e do infliximabe no tratamento da SF não mostrou nenhum benefício em três casos relatados na literatura.4,27,28 Gamaglobulina endovenosa também parece não ser eficaz para tratamento da neutropenia que ocorre na SF.29

Fatores estimuladores de crescimento são utilizados com frequência na SF, sendo efetivos em reverter a granulocitopenia e reduzir as complicações infecciosas na maioria dos pacientes. Entretanto, falhas têm sido reportadas e o custo é outro fator limitante, particularmente com o uso prolongado. Além disso, podem ocorrer como eventos adversos sinovite e vasculite leucocitoclástica.30

Por muitos anos, a esplenectomia foi a principal terapia, mas essa modalidade tem sido substituída por agentes imunossupressores e biológicos, sendo sua indicação atual restrita para os casos refratários ao tratamento clínico.2

O rituximabe, um anticorpo monoclonal quimérico, anti-receptor CD-20 de linfócitos B, tem sido utilizado no tratamento da SF. O mecanismo da neutropenia é multifatorial, e naquele subtipo de pacientes onde existe a formação de autoanticorpos, o rituximabe pode ser benéfico. No entanto, vários fatores podem concorrer para a falta de eficácia deste na SF:31,32

  • inabilidade do rituximabe de se ligar a células plasmáticas, que são CD-20 negativas;
  • outros mecanismos célula B dependentes (imunoglobulinas, apresentação de antígenos, cooperação com célula T); e
  • subpopulações de linfócitos T que têm atividade antigranulocítica e que podem existir independentemente das células B.

Esses mecanismos podem justificar os resultados controversos encontrados nos relatos existentes na literatura do uso do rituximabe na SF refratária (Tabela 3).

Embora a SF ocorra mais frequentemente na AR ativa e severa, existe um percentual de pacientes que não apresenta atividade articular inflamatória,14 como ocorreu com a nossa paciente, mantendo DAS28 sempre menor que 2,6 desde o início da neutropenia, embora apresentasse níveis elevados de marcadores inflamatórios (PCR e VHS) e de FR.

Interessante ainda é o fato de a nossa paciente apresentar uma faixa etária (29 anos) bastante inferior àquela na qual é mais frequente o aparecimento da SF14 (entre 50 e 70 anos). A média de idade dos pacientes relatados anteriormente foi de 51,2 anos (35 a 67 anos).3-7

Assim como nos relatos da literatura,3-7 a nossa paciente utilizou vários medicamentos, como prednisona, metilprednisolona, metotrexato, leflunomida, G-CSF e anti-TNF, sem resposta da neutropenia.

O rituximabe é uma terapia já bem estabelecida em pacientes com AR soropositiva e que mostrou ser promissora em alguns casos relatados de SF. A escolha pela sua utilização baseou-se no fato de a paciente apresentar elevados títulos de fator reumatoide, mielograma demonstrando hipercelularidade e refratariedade às drogas previamente utilizadas. Apesar da patogenia multifatorial da SF, o rituximabe pode ser uma opção terapêutica eficaz e segura, podendo ser utilizada antes da esplenectomia, diminuindo a morbi-mortalidade desses pacientes.

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