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Postado por JOSÉ quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Revista Brasileira de Reumatologia

versão impressa ISSN 0482-5004

Rev. Bras. Reumatol. v.48 n.1 São Paulo jan./fev. 2008

doi: 10.1590/S0482-50042008000100003

ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Depressão, ansiedade e atividade de doença na artrite reumatóide

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a prevalência de transtornos psiquiátricos em pacientes com artrite reumatóide (AR), do sexo feminino, e relacionar esses quadros com a atividade de doença.
MÉTODOS: Estudo seccional em pacientes do sexo feminino, acima de 18 anos de idade, com diagnóstico de AR, conforme os critérios do American College of Rheumatology (ACR), com graus de incapacidade II a III, com mais de seis meses de doença. Para avaliação da atividade clínica, usou-se o DAS-28 (Disease Activity Score-28), definindo-se como remissão até 2,6 pontos; atividade moderada de 2,6 a 5,1 pontos e atividade intensa acima de 5,1 pontos. A avaliação psiquiátrica foi feita com o Structural Clinical Interiview for the DSM-IV (SCID), entrevista semi-estruturada, com base no DSM-IV TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), para diagnosticar a presença de transtornos ansiosos e depressivos. Na análise estatística, incluíram-se o teste do qui-quadrado, teste t, teste de Kruskall-Wallis e o teste de Kendall, com significância de 95%.
RESULTADOS: Em 107 pacientes analisados, 36 (33,7%) apresentaram transtornos psiquiátricos. Em relação à atividade da doença, os dados do DAS-28 mostraram: 6 (5,6%) pacientes em remissão; 59 (55,1%) em atividade moderada e 42 (39,2%) com atividade acentuada. A média de pontos do DAS-28 foi de 4,56 entre pacientes sem diagnóstico psiquiátrico e 5,43 entre aqueles com diagnóstico psiquiátrico (p = 0,001).
CONCLUSÕES: A prevalência de transtornos ansiosos e depressivos entre 107 pacientes com AR foi de 33,7%. A atividade de doença medida pelo DAS mostrou que pacientes com quadros psiquiátricos apresentavam, em média, maior atividade de doença. Não foram encontradas pessoas com diagnóstico psiquiátrico no grupo de pacientes em remissão.

INTRODUÇÃO

A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória articular de evolução crônica, caracterizada por episódios dolorosos e deformidades físicas, com conseqüentes limitações no trabalho e nas atividades cotidianas.

A AR apresenta uma prevalência de transtornos depressivos e ansiosos acima da média habitualmente encontrada na população em geral, variando de 13% a 47%(1,2). Essa grande diferença provavelmente se deve à variedade das populações estudadas e também ao uso de questionários diferentes para determinação da presença de sintomas depressivos ou ansiosos.

Não há consenso na literatura sobre a origem da maior prevalência dos sintomas psiquiátricos na AR. Estes poderiam ocorrer em razão de seqüelas de uma doença incapacitante ou da própria atividade clínica de uma doença inflamatória crônica. Porém é importante ressaltar que as alterações do estado de humor agravam as queixas dos pacientes, dificultando a continuidade do atendimento e, muitas vezes, piorando o quadro evolutivo(3). Essa sobreposição pode causar distorções em sua avaliação e eventual-mente influenciar na condução do tratamento.

O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de transtornos psiquiátricos e sua possível relação com a atividade de doença, medida por intermédio do Disease Activity Score – DAS-28(4), em pacientes ambulatoriais com AR.

PACIENTES E MÉTODOS

Participaram do estudo pacientes com AR, segundo os critérios da American College of Rheumatology (ACR)(5), em tratamento no ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ).

Foram convidadas as pacientes que aguardavam atendimento na sala de espera e que preenchessem os critérios de inclusão e exclusão. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Era realizada, em primeiro lugar, entrevista com psiquiatra, seguida pela consulta regular com reumatologista, quando eram feitos o exame clínico e reumatológico e aplicava-se o protocolo para avaliação da atividade de doen-ça , por meio do DAS-28 – Disease Activity Score 28.

Os dados dos questionários e o diagnóstico feitos pelo psiquiatra não eram do conhecimento do reumatologista. O psiquiatra, por sua vez, só tomava conhecimento do resultado do DAS após sua conclusão.

Foram considerados critérios para inclusão: sexo feminino com diagnóstico de AR, segundo os critérios doAmerican College of Rheumatology, idade mínima de 18 anos, grau de incapacidade funcional II ou III(6), em tratamento para AR (drogas modificadoras, antiinflamatórios não-hormonais e corticosteróides) e sem quadros psicóticos ou demências.

CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Sexo masculino, idade inferior a 18 anos, tempo de doen-ça com duração inferior a seis meses, classe funcional I e IV, doença psiquiátrica preexistentes, doenças inflamatórias do tecido conjuntivo diferentes da AR, artrite infecciosa, endocrinopatia, neuropatia primária, seqüelas de doença neurológica, deformidades físicas secundárias a doenças diferentes da AR .

EXAMES LABORATORIAIS

Solicitou-se para avaliação de atividade da doença a velocidade da sedimentação das hemácias pelo método Westergreen, velocidade de hemossedimentação (VHS), a fim de realizar o cálculo do DAS-28. O VHS é feito regularmente 15 dias antes da consulta marcada.

AVALIAÇÃO CLÍNICA

Para avaliar o estado clínico das pacientes, foi usado o Disease Activity Score 28 (DAS-28)(7), índice composto por quatro variáveis: velocidade de hemossedimentação (VHS), número de articulações dolorosas e inflamadas entre 28 articulações e o grau de comprometimento causado pela doença, por meio de uma escala analógica visual, preenchida pelo doente.

Parâmetros para avaliação da atividade da doença pelo DAS-28(8): até 2,6 – casos em remissão; de 2,6 a 5,1 – atividade moderada de doença; acima de 5,1 – atividade intensa de doença.

AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA

Todas as pacientes foram entrevistadas pelo mesmo psiquiatra. A avaliação psiquiátrica foi realizada aplicando-se o Structural Clinic Interview for the DSM-IVSCID – versão clínica(9), que consiste em uma entrevista psiquiá–trica semi-estruturada, com a finalidade de estabelecer diagnósticos conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV-TR)(10).

Para fins de pesquisa, foram consideradas como tendo transtornos psiquiátricos todas as pacientes que, no momento da entrevista, preenchiam critérios para inclusão em qualquer um dos itens do DSM-IV-TR.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os testes usados foram: mediana, média, desvio-padrão, teste de Kruskall-Wallis e teste de Kendall. Nível de significância de 95%; valores de p iguais ou inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

O teste de Kendall foi usado para verificar se a distribuição de pacientes com e sem diagnóstico psiquiátrico entre os três níveis de gravidade do DAS-28 era estatisticamente significativa ou não. Não foi utilizado o teste do qui-quadrado porque havia mais de 25% de células com número esperado abaixo de 5.

Na avaliação das médias dos componentes do DAS-28, entre pacientes com e sem transtornos depressivos ou ansiosos, viu-se que esses dados não tinham distribuição normal, o que levou à escolha de um teste não paramétrico (Kruskall-Wallis). Foi utilizado o pacote estatístico do programa SPSS.

RESULTADOS

As pacientes durante a entrevista relataram que só apresentaram transtornos psiquiátricos após o surgimento da AR.

Em virtude do pequeno número amostral não se fez distinção entre pacientes com transtornos depressivos ou ansiosos. Os dados demográficos e clínicos das pacientes encontram-se na tabela 1. Observou-se uma associação estatisticamente significativa (p < href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042008000100003&lng=pt&nrm=iso#tab2">Tabela 2).

A associação entre os elementos que compõem o DAS-28, tomados isoladamente, e a presença ou ausência de transtornos psiquiátricos só não foi significativa para o VHS (Tabela 3).

A prevalência de atividade moderada da AR avaliada pela DAS-28 foi a mais alta. Entre os pacientes com DAS mais alto, encontrava-se a maior prevalência de pacientes com diagnósticos de ansiedade e depressão. O teste de Kendall mede a consistência da distribuição dos dados ao longo de variáveis ordenadas, como no caso do DAS (Tabela 4).

DISCUSSÃO

A prevalência de transtornos psiquiátricos (depressão e ansiedade) encontrada na amostra, usando-se a entrevista semi-estruturada, foi de 33,7% dos casos, dentro da média encontrada em outros estudos, embora a maioria das pesquisas utilize questionários de sintomas, como em Escalante et al.(11), Abdel Nasser et al.(12), Velásquez et al.(13) e Pincus et al.(14).

Em alguns trabalhos nos quais se usaram questionários ou entrevistas semi-estruturadas, com diagnóstico psiquiátrico com base no DSM ou no CID, obtiveram-se prevalências mais altas, como nos casos de El-Mieddanyet al.(15) (66,2% da amostra foi diagnosticada como tendo depressão e 70%, quadros de ansiedade) e Isik et al.(16) (70,8% do total dos pacientes com AR apresentavam algum transtorno, ansioso ou depressivo). A exceção foi o trabalho de Suárez-Mendonza et al., no México, que encontraram resultado de 37,14%(17).

Procurando-se associações entre os componentes do DAS-28 e a presença de quadros depressivos e ansiosos (Tabela 3), verificou-se que o único componente que não mostrou significância estatística foi o VHS. Essa medida foi a mais inespecífica dentre os elementos que compõem o índice (ver Tabela 3).

O DAS-28, ao associar diversos dados, permite uma avaliação global da doença, diferente do que ocorre quando se toma cada medida clínica isoladamente e tenta-se associá-la ao desempenho psíquico. Um dado importante no uso do DAS-28 é a avaliação feita pelo paciente, que procura obedecer à idéia de tomar a doença como um fenômeno biopsicossocial.

Por outro lado, a avaliação subjetiva do DAS-28 pode ser confundida com o estado afetivo dos pacientes, provocando um viés de associação positiva entre graus clínicos mais graves e a presença dos transtornos psiquiátricos. Artigos que procuraram avaliar o desempenho do DAS-28 comparando com critérios do ACR para remissão da artrite, como o de Fransen et al.(18), constataram que o índice com e sem avaliação subjetiva apresentava sensibilidade de 90 e 86, respectivamente, portanto a avaliação subjetiva dos doentes melhorava a capacidade de encontrarem-se casos mais graves. Do mesmo modo, o artigo de Leeb et al.(19) verificou a importância do uso de índices de atividade com avaliação subjetiva para orientar a conduta clínica em relação às manifestações da AR.

Quanto à associação entre atividade de doença medida especificamente pelo DAS-28 e a presença de quadros ansiosos e depressivos, Hyphantis et al.(20), examinando pacientes com diagnóstico de AR recente, não encontraram associações entre atividade de doença e sintomas psiquiátricos.

Neste trabalho, observou-se que os piores índices de atividade clínica no DAS-28 estavam associados à presença de alterações psiquiátricas. Nenhum dos pacientes que apresentava quadro de AR em remissão sofria de transtornos depressivos ou ansiosos. Sabe-se que estudos transversais não podem determinar precedências, mas pôde ser observado que mais da metade dos pacientes agrupados no item "atividade intensa de doença" no DAS-28 apresentava transtornos psiquiátricos.

CONCLUSÃO

A prevalência de transtornos depressivos e ansiosos em pacientes ambulatoriais com artrite reumatóide foi de 33,7%. Houve associação estatisticamente significativa entre pacientes com pior quadro clínico, medido pelo DAS, e o diagnóstico de transtornos depressivos e ansiosos, diagnosticados pelo SCID. Mais estudos, com avaliações longitudinais, são necessários para corroborar ou não essa hipótese.

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